Amálgamas: Projeto de Intervenção Artística no meio urbano de Campinas

22/07/2008

Texto apresentado no IV Encontro Internacional do Saber Urbano e Linguagem Labeurb Unicamp em outubro de 2004.

Apresentação
Esse texto relata algumas das questões teóricas pertinentes ao projeto de intervenção artística intitulado Amálgamas realizado na cidade de Campinas no ano de 2003. Constituído de elementos da Arte Pública atual essa intervenção de caráter efêmero tomou o Largo das Andorinhas, na região central de Campinas, interagindo na paisagem da cidade e seus fluxos como proposta plástica para as comemorações oficiais desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Cultura e MAC Campinas para o Ano Internacional do Uso da Água Doce no Planeta. Aspectos da problematização do espaço urbano, de seus usos e do interesse dessa vertente artística voltada para o meio urbano são aqui descritos a partir da experiência vivida pelas etapas conceituais e práticas do projeto.

Sylvia Furegatti: Amalgamas/2003 (vista aérea)

O projeto Amálgamas foi concebido a pedido da curadoria de trabalhos do MACC (Museu de Arte Contemporânea de Campinas) considerando a política cultural programada pela Secretaria Municipal de Cultura de Campinas para o ano de 2003. Este ano fica conhecido internacionalmente pela proposição feita pela ONU para estimular a conscientização do uso da água doce no planeta[1]. Inteirando-se dessas premissas o governo municipal de Campinas procura integrar-se às programações.
Assim, o contexto geral do projeto Amálgamas parte dessa indicação configurando-se a partir da ocupação do Largo das Andorinhas na região central de Campinas com a instalação de dez mil e trezentas pedras de sabão azul chanceladas e marcadas com frases de conscientização sobre a importância da água para o planeta.
A construção do projeto compõe-se de três questões primordiais, a saber: 1- Constrói-se a partir da vertente artística contemporânea em consonância com os preceitos norteadores dos trabalhos do próprio MACC e de sua autora. 2 – Traduz-se por uma linguagem que privilegia a Arte Pública e suas conexões com as formas de intervenção artística no meio urbano local da cidade de Campinas avaliando e considerando suas demandas, visibilidade e fluxos. 3 – Busca uma visão artística com características de evento e não obra fechada discutidas teórica e praticamente pelos trabalhos recentes de sua autora.
Baseado nas dependências (oficina e auditório) do MACC e formado por um corpo de colaboradores dentre artistas, estudantes universitários e as equipes de voluntariado e administração do museu o projeto conta com um núcleo efetivo de trinta e seis pessoas envolvidas nas suas distintas fases de elaboração.
Amálgamas constituiu-se, resumidamente, em cinco etapas: a concepção, a seleção e a preparação teórica do grupo de colaboradores, a elaboração do material e convite à população,a intervenção na praça e o desdobramento na mostra do MACC. Apresentado e aprovado, o trabalho tem início com a constituição do núcleo do projeto. Este grupo assiste a um curso preparatório teórico com a duração de um mês no qual se discute o caminho traçado pela arte de dentro dos museus para o espaço aberto e externo das cidades inserindo assim o discurso necessário para o entrosamento da equipe ali formada.
A etapa da elaboração dos materiais da intervenção tem vários desdobramentos. Inicia-se com reuniões periódicas para a criação das cento e sessenta e sete frases que foram reproduzidas e acopladas às pedras de sabão contendo trechos de música ou poesia, dados atuais sobre a condição da água, frases de artistas e slogans sobre o tema Água.
Com a parceria do Instituto Unilever compromissada com o projeto inicia-se a fase da preparação das dez mil e trezentas pedras de sabão azul. Essa etapa ocupa toda a equipe entre a aplicação da chancela do projeto sobre os sabões, a dobra e a fixação das frases impressas em papel em todos os sabões. Esse processo toma cinco semanas sistemáticas de trabalho. No sábado anterior à data programada para a intervenção, identificados pela camiseta do projeto, o grupo sai a campo elaborando um trajeto pelas ruas do centro a partir do Largo das Andorinhas e distribuindo à população um convite para que voltassem ao centro no próximo dia 22 e participassem daquele projeto de arte.
Doisdias antes da intervenção,o caderno Folha Campinas do Jornal Folha de São Paulo, também parceiro do projeto, divulgou um convite impresso (formato de ¼ de página colorido) reforçando e ampliando a chamada para que o público local comparecesse e assimilasse o projeto a partir de sua identidade artística.
A montagem das pedras de sabão pela praça inicia-se ainda na madrugada do dia 22 de agosto quando de fato a intervenção se materializa. Os primeiros visitantes são espontâneos: trabalhadores que ocupam cotidianamente aquele território da praça em seu trajeto matinal. Logo se confirma a intervenção a partir das fugidias expressões de surpresa expressadas pelos olhares desses primeiros visitantes. Exibem, em meio ao seu percurso que não se desacelera, a curiosidade típica do estranhamento pelo que vêem.
Mais tarde, a partir das nove horas daquela manhã, as pessoas que passam pelo Largo das Andorinhas começam a receber duas ou três pedras para levar consigo além de uma breve explanação sobre o contexto do projeto. A doação seguiu-se tranqüilamente por toda a manhã e início da tarde. Pouco depois das treze horas um princípio de tumulto determina o final da fase de intervenção na praça. Em acordo com o projeto parte dos sabões é recuperada para compor a seqüência da exposição dentro do MACC. De outro lado, o do imprevisto, parte dos sabões é literalmente saqueada por um público que retorna à praça seguidas vezes. Duas semanas depois, no MACC, é feito o lançamento do catálogo do projeto e são expostos fragmentos da intervenção (sabões, folders, camisetas, etc) além de uma seqüência fotográfica, um livro de artista e um vídeo.
Todo o contexto desse projeto revela aspectos atuais da experiência artística conectada ao espaço e usos do meio urbano na contemporaneidade. Amalgamasatrela-se conceitualmente ao espaço e convívio social urbano tomando a cidade, seu fluxo e processo de vida cotidiana como fatores compositivos essenciais, inserindo-se na paisagem do Largo das Andorinhas com a mesma velocidade de instalação que os demais elementos cotidianos de seu entorno. Conduz-se, portanto, a partir da noção de Site Specific art [2] buscando evidenciar a simbologia presente naquele lugar urbano, por seus aspectos técnicos arquitetônicos, por sua configuração específica de espaço livre e freqüentação cotidiana, por seu histórico dentro do imaginário urbano da cidade.
Amálgamas explora as ligações espaciais, corpóreas e interativas entre espectador, obra e local, discutindo as conotações de trânsito e passagem assumidas, cada vez mais, pelos espaços arquitetônicos típicos das praças públicas atuais. Bem explorada pelos transeuntes que cortam seu solo em sentido diagonal, o Largo das Andorinhas tem um grande fluxo de pessoas que tomam insistentemente os sentidos: prefeitura – centro / centro-prefeitura criando assim um X cortante imaginário no espaço da praça. Ocupando de modo estratégico cerca de 100 m² do chão da praça, os sabões foram dispostos de tal modo a evidenciar esse percurso comum das pessoas naquele lugar.
Contrariando a degradação vista na maioria das praças dos grandes centros, submetidas quase sempre ao abandono social, o Largo parece sobreviver graças a uma espécie de simbiose entre trânsito e permanência perceptível nesse fluxo em X descrito anteriormente. Permitindo o trajeto acelerado das pessoas sem que elas sejam interceptadas por elementos arquitetônicos que constroem núcleos fechados, voltados para seu centro, tal qual ocorre usualmente nas tipologias mais convencionais de praças públicas, o Largo amplia suas possibilidades de freqüentação[3]. Estende sua sobrevida alternando-se entre o estático das horas ao sol nos bancos de concreto praticadas pelo público morador dos edifícios de seu entorno sem deixar de atender à demanda de passagem e visibilidade, desejada pela população em massa que faz uso cotidiano desse espaço central.
A situação topográfica do Largo das Andorinhas, de um plano mais rebaixado que o seu entorno, favoreceu uma possível revisão de percepção espacial das pessoas que se dirigiram àquele trecho urbano. A alteridade da cor e da matéria formada pelo manto de sabões da intervenção atingiu espectadores a pé, motorizados, usuários dos edifícios próximos propondo-lhes exercitar um tipo de observação pouco convencional, esteticamente orientada pela vertente Minimalista, do olhar para o chão, para o próximo ao invés do olhar em perspectiva para o horizonte e o distante. O perfume exalado pela concentração das pedras de sabão somado à mancha azul constituiu forte fator de atratividade. Foram muitos os depoimentos de pessoas que confirmaram essa indução.
O dado efêmero dessa ocupação da praça potencializou ainda mais a percepção descrita acima firmando as relações, cada vez mais fortes no terreno da estética contemporânea, entre efemeridade e mundo atual, entre arte e espetáculo.
A Arte Pública Atual[4], entendida a partir das noções primordiais de seu direcionamento para o público, sua relação com as noções sociais, geográficas, históricas e urbanísticas do espaço que ocupa, é uma das vertentes estéticas atuais responsáveis pela rearticulação da difícil tarefa para o artista contemporâneo do encontro direto com o público. A reorganização da relação Público-Espectador da Arte x Projeto Artístico Contemporâneo tem tomado grande espaço de debate, desde meados dos anos 80, motivado principalmente pelo discurso da crítica especializada e pelos artistas compromissados com tal vertente. Diferentemente do comportamento auto-suficiente praticado pelas variadas linguagens artísticas e estéticas, construídas a partir da modernidade e evidenciadas na pós-modernidade, a vertente da Arte Pública constitui-se a partir das relações estabelecidas com a comunidade a quem se dirige. Essa condição demanda a inclusão do aspecto de imprevisibilidade de respostas para tais trabalhos artísticos já que se incorporam dentre o fluxo de espaços abertos, geralmente urbanos, tal qual se configura o projeto Amálgamas.
Por mais que o processo criativo do projeto tivesse trabalhado a questão do envolvimento público por meio da comunicação de massa e também dirigida (divulgação na imprensa, saídas a campo, cartas para os moradores dos arredores e organismos públicos responsáveis, convites impressos, mídia espontânea, etc) o elemento surpresa na efetivação pública era aguardado.
Os indícios deixados pelo público que visitante foram de todas as ordens. De um lado, respostas que evocavam valores inerentes ao discurso dessa vertente artística tais como memória, pertença, interatividade e acesso. Os testemunhos colhidos durante aquele dia falavam de pessoas emocionadas com a beleza plástica do evento, da indignação de outras por não poderem levar seu sabão àquela hora da madrugada em que passavam a caminho do trabalho, de pessoas que nunca pensaram ser possível ver fora do museu ou no formato da pedra de sabão, uma ação de arte. Outras pessoas testemunhavam as mudanças sofridas pela praça ao longo dos anos, agora reavivadas, pelo projeto.
Amálgamas permitiu-nos sentir também um tipo de resposta pública que avança seus questionamentos conceituais estéticos. O não entendimento da intervenção como um projeto artístico que evocava, como pano de fundo, elementos de conscientização social e cultural fez com que uma parcela pequena, porém visível, da população visitante praticasse uma resposta reconhecível no uso atual dos espaços públicos cuja configuração desfigura-se diante da explosão de sentimentos e comportamentos típicos da multidão[5]. O saque sofrido nos últimos vinte minutos do projeto criou um desconforto para a condução geral do trabalho que se estabelecia a partir da idéia de doação.
A intenção da doação das pedras construía o aspecto efêmero do trabalho que se desmontaria ao longo do dia, a partir da atração das pessoas para a praça. Passava pela conotação da presença física desse espectador urbano como atuante de um evento cultural que a sorte, a coincidência ou a atenção lhe fizeram participar sem que essas variantes descartassem a questão do alerta social, da convivência coletiva e da experiência estética absorvida. Contudo, entendendo o fato a partir das colocações de Sennet sobre o grande público urbano percebe-se que não há um ataque específico à Arte, mas sim uma resposta ao sentido do espaço público atual.
Propondo o aprofundamento dos valores simbólicos do projeto chegamos à dualidade da pedra de sabão eleita como objeto materializador da intervenção. Diante dessa rede de complexidades desenvolvida, multiplicam-se, por parte das pessoas envolvidas em sua construção, as expectativas quanto à participação do público. Buscando entender o contexto geral criado pergunta-se, de antemão: Quais dos comportamentos poderiam ser apontados como mais adequados? Que as pedras fossem todas guardadas com o fetiche costumeiro que aplicamos ao objeto de arte? Que elas fossem todas usadas para lavar roupas tal qual sua identificação mercadológica inicial indicava? Que a sua conotação múltipla despertasse uma condição mais alerta para os problemas atuais do planeta?
A multiplicidade das respostas possíveis para esse formato público do projeto foi o que nos fez pensar em destinar mais de uma pedra a cada pessoa. Aproximando-se das idéias de Hal Foster sobre as estratégias estéticas da contemporaneidade, pode-se dizer que o projeto Amálgamas caminha dentro da recodificação [6] vivenciada pela arte contemporânea quanto às suas redes de conexão: entre o artístico e o público, entre os signos que elege e o dado social ao qual se direciona.
Pretendia-se uma extensão para o entendimento do objeto pedra de sabão como massa moldada, tal qual se vê nos processos da escultura, como referência à limpeza cotidiana que depende da água, a partir da repetição dessas centenas de pedras que construíam o manto sobre o chão da praça remetendo-se ao azul do fundo das águas. Contudo, apesar desses valores simbólicos e estéticos, o projeto não descartava, graças ao seu induto público, o reconhecimento matérico e funcionalista da pedra de sabão de uso cotidiano, biodegradável, perfumada, que limpa.
As semanas que se seguiram testemunharam pela Internet e pela imprensa escrita as marcas da passagem do projeto. Novamente o público se manifesta, enviando e-mails pessoais ou tomando os meios de comunicação, para abordar a reação vista por todos aos estímulos gerados pelo projeto. De modo dissonante as cartas e notas de leitores e jornalistas publicadas denunciavam tanto o abuso sofrido pela arte que ocupava a praça, quanto cultivavam a eterna e leiga dúvida sobre as facetas da ressemantização praticada pela arte contemporânea.

As variantes opiniões sobre a incisão sofrida pela praça naquele dia realçam a já anunciada dificuldade desse encontro entre arte e público geral alargando as discussões sobre a inteligibilidade das formas de Arte no Meio Urbano. Parte desse problema está em sua apresentação cuja forja diferencia-se da composição mais convencional dos museus com suas legendas e sinalizações indicativas.
Ocupando o espaço aberto e recebendo como público o transeunte acidental além daquele intencional, todo trabalho de arte no meio urbano problematiza a tênue separação entre Arte e Vida esgarçando-se muitas vezes dentro dessa medida que, apesar de pouco precisa, tem sido o fio condutor de grande parte da produção artística contemporânea internacional.

Sylvia Furegatti
outubro|2004

Referências Bibliográficas:
Livros:
DEUTSCHE, Rosalind. Evictions – Art and Spacial Politics. Cambridge, MIT,1998.
FREIRE, Cristina. Além dos mapas, os monumentos no imaginário urbanocontemporâneo. SP: SESC: Annablume, 1997.
FOSTER, Hal. Recodificação. Arte, Espetáculo e Política Cultural.Trad. DudaMachado.São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996.
KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture; Massachussets: MIT, 1997.
PALLAMIN, Vera. Arte Urbana. São Paulo – região central. Obras de caráter temporário e permanente. SP: Annablume: Fapesp, 2000.
PEIXOTO, N. Brissac.(org) Arte e Cidade. A Cidade e seus fluxos. SP: Marca D’Agua. 1994.
SENETT, R. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. Trad. L. A. Watanabe. SP: Companhia das Letras,2001.
SUBIRATS, E. Vanguardas, Mídia e Metrópoles; trad. N. Moulin. SP: Nobel, 1993.

Teses e Dissertações:
FARIAS, Agnaldo A. C. Esculpindo o espaço. SP: Fac. de Arquitetura e Urbanismo . Tese de Doutorado, FAU-Universidade de São Paulo, 1997.

FUREGATTI, Sylvia. Arte no espaço urbano: contribuições de Richard Serra e Christo Javacheff para a formação do discurso da Arte Pública atual. SP: Fac. de Arquitetura e Urbanismo. Dissertação de Mestrado, FAU-Universidade de São Paulo, 2002.

Folders e Jornais:
ALVES, Rodrigo. A arte e os conflitos urbanos. In: Amálgamas. Sylvia Furegatti. Projeto de Intervenção Artística. Folder da Fase documental do projeto. Campinas: MAC Campinas, 2003.
FARDIN, Sonia. Amálgamas. In: Amálgamas. Sylvia Furegatti. Projeto de Intervenção Artística. Folder da Fase documental do projeto. Campinas: MAC Campinas, 2003.
MIGUEL, M. Claudia. Pedras de sabão viram arte no Largo das Andorinhas. Diário Oficial do Município. Campinas: 22/08/2003, p.4.
________________. Intervenção no Largo provoca estranhamento e curiosidade. Diário Oficial do Município. Campinas: 23/08/2003, p. 20.
ARAUJO, Sammya. Artista faz ‘tapete’ de sabão para despertar consciência sobre a água. Jornal Correio Popular. Caderno Cidades. Campinas, 23/08/2003, pág. 07.
ALVES, Josiane Giacomini. Sabões ganham o MACC. Campinas: Gazeta do Cambuí, 29/08/2003, p.16.
FAUSTINO, Amelinda. Falta de educação e cultura. Jornal Diário do Povo. Coluna do Leitor. Campinas: 25/08/2003, p. 03.

[1] Em conferência realizada pela Organização das Nações Unidas em Nova Yorkno dia 12 de dezembro de 2002 institui-se o direcionamento das preocupações e ações dos organismos internacionais com o uso da água doce pelo planeta. A proposta é efetuada no ano de 2003 envolvendo os organismos ligados à ONU. Ver em: www.wateryear2003.org; www.unesco.org.br ; www.planetaorganico.com.br.
[2] “Institui-se, no cerne da Arte Urbana, uma relação de ajustamento entre espaço e projeto artístico, que tem seu embate inicial nas proposições das vanguardas artísticas do início do século XX que discutem os sentidos de independência do objeto artístico e de neutralidade dos espaços expositivos. Contudo, a ligação estreita entre obra e local de instalação [a ser conhecida como Site Specific Art ]configura-se mais complexamente apenas anos mais tarde, com as experimentações minimalistas que nos apresentam o conceito de especificidade do local. Esse direcionamento para fora, e o encontro com a cidade ou com paisagens como as do deserto, agiu como motor da criação de obras para lugares específicos. (…) Dessa forma, o discurso original do Minimalismo adota, como princípio, forte reação ao mercado e ao cunho oficializante dos museus e galerias, impulsionando assim o interesse dos artistas por outros espaços, vistos inicialmente como soluções alternativas para a constituição de novos trabalhos mais experimentais, mas já vinculados à idéia radical da efemeridade investida na produção artística deste momento em diante. Dentre seus principais precursores nos anos 60, podemos indicar os artistas Robert Smithson, Daniel Barry, Robert Morris, Donald Judd, Michael Heizer, (…)[Esses artistas aplicam conceitos] tais comoa experimentação física da obra, a valorização do espaço envoltório da escultura, o deslocamento da arte para paisagens distantes do urbano, dentre outras. (…) Assim, os espaços buscados por esses artistas traduziam o desejo de uma cumplicidade entre lugar, obra e espectador, pois estavam ligados a variados conceitos tais como: gravidade; obrigatoriedade da presença física; do assentamento de um local determinado, fixo, de interior ou exterior, onde são estabelecidas considerações com a distância; profundidade; altura; textura; formas das paredes das salas; escadas; proporções de praças, prédios ou parques; condições de iluminação e ventilação; padrões de caminhos percorridos pelo homemou ainda a distinção topográfica da paisagem. (…) [Os elementos originais da Site Specific Art reúnem] um campo de tensão potencial que interessa ao artista explorar dentro de uma linha fenomenológica, não predominantemente visual, mas sim de conotações físicas.”Vem em: FUREGATTI, Sylvia. Arte no Espaço Urbano, 2002, p. 51/2.
[3] O uso convencional de monumentos nos centros das praças se repete no Largo das Andorinhas. Contudo, o monumento do Bicentenário, criado por Lélio Coluccini, ocupa esse espaço central permitindo ainda assim a condição de trajetividade de seus usuários. Formado por uma estrutura em concreto aparente com pontos vazados no apoio junto ao solo, o monumento está fincado, na atual versão, diretamente sobre o solo formando um arco de passagem livre para os pedestres.
[4] Em meu estudo para o mestrado levanto considerações pertinentes ao discurso que molda as distintas maneiras de atuação da arte no meio urbano. Embasada nos estudos de Vera Palamin, Maria Cecília França Lourenço, Patrícia Phillips, eSuzanne Lacy proponho a revisão do termo Arte Pública localizando-a no século XX a partir de suas conexões criativas relacionadas com propostas temáticas e participação efetiva da comunidade onde o projeto, de cunho artístico, mas não necessariamente formado exclusivamente por artistas, se instaura. Ver em: FUREGATTI, Sylvia. Op cit. Cap. 1.
[5] Richard Sennet discute esse problema em O declínio do homem público. No capítulo 13, no qual descreve as configurações admitidas pelo modelo de cidade que privilegia o grupo, o gueto ao invés da diversidade e da troca, destaca o isolamento e as conseqüências sociais que vivenciamos em decorrência da planificação dos espaços projetados na cidade abordando as questões que definem a multidão e seus modos de agir no meio urbano. Apontando os trabalhos de Lyn Loftland e Erving Goffman analisa o imaginário das multidões comparando-o à extensão da idéia de isolamento característico do século XIX. Lembra que a imagem moderna de multidão é também extensão do medo admitido diante aglomerado de pessoas no do século XIX. Diz: “que a multidão é o modo pelo qual as mais venais das paixões dos homens são o mais espontaneamente exprimidas; a multidão é o homem-animal libertado de suas rédeas. (…) As imagens modernas de multidões tem conseqüências nas idéias modernas de comunidade. Em ambientes mais simplificados, haverá ordem, porque os indivíduos conhecem os outros indivíduos, e cada qual conhece o seu lugar territorial. (…) A comunidade se tornou ao mesmo tempo um retraimento emocionalcom relação à sociedade, e uma barricada territorial no interior da cidade. A guerra entre psique e sociedade adquiriu assim um foco verdadeiramente geográfico, que veio a substituir o antigo foco do equilíbrio comportamental entre o público e o privado. Essa nova geografia é a do comunal versus o urbano; o território dos cálidos sentimentos e o território da indiferença impessoal.”SENNET, Richard. 2001, págs. 364,5 e 6.
[6]Dentro da investigação sobre os elementos constituintes da contemporaneidade Hal Foster estuda em seu livro: Recodificação: Arte , Espetáculo, Política Cultural, os processos de ressemantização dos códigos que envolvem a Arte e a Sociedade atuais. No capítulo 5, Signos Subversivos, explora valores atuais da arte norte-americana que justificam a aproximação buscada aqui nesse contexto podendo estender-se para outras esferas: “A mais provocativa arte norte-americana do momento presente está situada em tal encruzilhada – das instituições de arte e da economia política, das representações de identidade sexual e de vida social. Mais do que isso, assume que seu objetivo deve estar situado desse modo, coloca-se à espera desses discursos para depura-los e expô-los ou para seduzir e extravia-los. Sua preocupação primordial não é com as propriedades da arte tradicional ou modernista (…) em vez disso, procura suas filiações em relação a outras práticas (na indústria cultural e em outras partes), tende a conceber seu tema de modo bem diferente. (…) [Dentre seus artistas ativos percebem-se] as mais variadas formas de produção e modos de abordagem(colagem fototexto, fotografias construídas ou projetadas, videoteipes, textos críticos, obras de arte apropriadas, arranjadas ou sucedâneos etc.) e no entanto, todos eles se parecem no seguinte aspecto: cada um deles traça o espaço público, a representação social ou a linguagem artística na qual ele ou ela intervém como um alvo quanto como uma arma. Essa mudança na prática inclui uma mudança na posição: o artista se torna um manipulador de signos mais que um produtor de objetos de arte; o espectador, um leitor de ativo de mensagens mais que um contemplador passivo da estética ou o consumidor do espetacular. FOSTER, Hal, 1996, p. 140/1.