Agnes Martin a partir da conversa com Adalgisa Campos

31/07/2008

Uma das ações artísticas que configuram o trabalho do Grupo Pparalelo de Arte Contemporânea de Campinas é a visita a espaços de arte, ateliês ou instituições, com os quais estabelecemos contato para a troca direta de idéias e perspectivas do trabalho artístico no mundo contemporâneo. Faz parte de uma espécie de mapeamento que estamos organizando com a intenção de estudar os elementos da condição paralela com a qual vivem os artistas de hoje, circunstancia que estabelecemos como ponto inicial da nossa investigação de grupo.

Na quarta-feira, 16 de julho de 2008, conhecemos pessoalmente a artista Adalgisa Campos e seu espaço de trabalho no bairro da Liberdade em São Paulo. A conversa tomou o tom das badaladas do sino da grande igreja de N. Sra. do Carmo que organiza a paisagem próxima à casa-ateliê da artista.

Vimos uma pequena parte de seus arquivos, muitas imagens, conhecemos o universo do trabalho de intervenções urbanas realizado por ela na Europa e tomamos um bom café para concluir alguns pontos sobre a importância do artista e da arte que se propaga no circuito atual. Dessa discussão surgiu a referência do texto de Agnes Martin aqui apresentado. A indicação sugerida por Adalgisa veio depois desse encontro, por e-mail, e vale cada vírgula da tradução feita por ela.

Agnes Martin (1912-2004) – Conferência na universidade de Cornell
(Texto transcrito por Ann Wilson a partir das notas de Agnes Martin para uma conferência proferida na universidade de Cornell, em Ithaca, New York, em janeiro de 1972. Traduzido da edição francesa por Adalgisa M. C. de Campos)

Eu quero lhes falar do “trabalho”, do trabalho artístico.
Eu falarei de inspiração, de ateliê, do olhar sobre o trabalho, dos amigos da arte e do temperamento dos artistas.
Mas o que nos interessa realmente a vocês e a mim é o “trabalho” – as obras de arte.
O trabalho artístico é muito importante no sentido que tentarei mostrar ao falar de inspiração.
Algumas vezes, pensei que eu tinha mais importância do que meu trabalho e sofri por isso.
Eu pensava eu, eu, e sofria.
Eu pensava que era importante. Ensinaram-me a pensar assim. Ensinaram-me: “És importante; as pessoas são mais importantes que qualquer outra coisa.”
Mas eu sofria muito pensando assim.
Eu pensava que era grande e que o “trabalho” era menor. Não é possível continuar assim. Pensar que se é grande significa que o trabalho é grande. Uma atitude orgulhosa também não é possível.
E pensar que se é pequeno e que o trabalho é menor, a atitude modesta, não é possível.
Vou prosseguir falando sobre a inspiração e talvez vocês vejam o que é possível.
Quando descrever a inspiração, não quero que pensem que falo de religião.
Aquilo que nos toma de surpresa – os momentos de felicidade – eis a inspiração. A inspiração que difere da vida cotidiana.
Muitas pessoas, quando adultos, ficam tão surpresos pela inspiração, aquela que difere da vida cotidiana, que eles se crêem únicos quando a possuem. Nada é mais afastado da verdade.
A inspiração está lá a todo momento.
Para todos aqueles cujo espírito não está obscurecido pelos pensamentos, quer se dêem conta ou não.
A maior parte das pessoas não se dá conta dos momentos em que está inspirado.
A inspiração é penetrante, mas não se trata de um poder.
É algo apaziguador.
É um reconforto até mesmo para as plantas e os animais.
Não pensem que ela é única.
Se fosse única, ninguém poderia reagir aos trabalhos de vocês.
Não pensem que ela se reserva a uma elite ou algo assim.
É um espírito sereno.
É claro, sabemos que um estado de serenidade não pode durar. Então dizemos que a inspiração vai e vem, mas de fato ela está lá todo tempo, à espera de que estejamos novamente serenos. Podemos, portanto dizer que ela é penetrante. As crianças pequenas são mais serenas que os adultos e têm muito mais inspiração. Todos os momentos de inspiração adicionados formam o que chamamos de sensibilidade. O desenvolvimento da sensibilidade é a coisa mais importante nas crianças assim como nos adultos, mas é muito mais certo nas crianças. Para os adultos, seria mais correto dizer que o despertar da sensibilidade é a coisa mais importante. Alguns pais dão mais importância ao desenvolvimento social que ao desenvolvimento estético. Muito cedo, as crianças são levadas ao parque para brincar com outras, levadas à escola maternal e encorajadas desde o início. Mas é a criança pequena sentada sozinha, talvez mesmo negligenciada e esquecida, a mais aberta à inspiração e ao desenvolvimento da sensibilidade.

In: MARTIN, Agnes. La perfection inhérente à la vie. Paris, École nationale supérieure des Beaux-Arts, 1993.